Natal Melancólico com The Holdovers
- carolinavanri
- 20 de dez. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jan.

Levando em conta o tempo que gastamos hoje em dia para achar algo de qualidade nas plataformas de streaming, considero muita sorte ter descoberto sozinha, este ano, duas excelentes produções: uma foi a série de ficção científica Ruptura (2022 –..., Apple TV+), sobre a qual eu posso falar em outra postagem, e a segunda, o filme natalino The Holdovers (2023, Amazon Prime). É sempre com euforia que acrescento uma obra à minha lista de favoritas e com forte inclinação a "proselitismo" — motivo desta resenha.
Imagino uma possível objeção do leitor já familiarizado com o longa: “Um filme de Natal deve obrigatoriamente reforçar uma mensagem cristã, pelo menos de maneira implícita.” Mas isso não seria justo com The Holdovers. Esclareço logo à frente.
Sendo generosa com o diretor Alexander Payne, que disse achar tal classificação nauseante, The Holdovers (“Os Rejeitados” em português) trata-se, primeiro, de uma mistura de comédia e drama; Paul Hunham, um professor sagaz e rabugento, leciona História num internato para garotos. Angus, um de seus alunos, talvez o único inteligente, está ansioso para se reunir com a família nas férias de inverno, mas é um típico caso de adolescente negligenciado pelos pais. Enquanto todos os outros estudantes da Barton Academy retornam para o aconchego de suas casas, Angus é obrigado a ficar na escola, assim como Paul, responsável por supervisioná-lo, e Mary, a cozinheira do internato, que não tem lugar para ir e sofre pela recente morte do filho. Temos então três pessoas se sentindo irrealizadas no Natal (aqui me refiro ao período desde quando se iniciam as expectativas para a data até o momento da comemoração em si).
Essa época do ano é muitas vezes dita como tempo de se reunir com a família, porém nem todos, por algum motivo, têm sempre essa oportunidade como a maioria aparenta. Daí o título do filme, que acho mais preciso no inglês. “Holdover”, em sentido geral, significa “remanescente”. Retomando a questão do que seria um filme natalino, encontrei uma definição simples feita por um usuário do Reddit na qual The Holdovers se encaixa perfeitamente (quer isso alegre ou não o diretor):
“A Christmas movie is one in which the plot and characters are directly affected by the fact that it’s Christmas.” [Tradução: “Um filme de Natal é aquele em que o enredo e os personagens são diretamente afetados pelo fato de ser Natal”].
Essa é a definição de senso comum, se não pensamos profundamente a respeito. The Holdovers carrega uma melancolia específica, que só poderia acometer alguém no contexto natalino, em que existe um culto a tradições comerciais, como árvores gigantes, trocas de presentes e ceias gordas. Mas o Natal de The Holdovers é um Natal de pessoas tentando conter as más emoções e de estoicismo no lugar de cristianismo; apesar da generosidade mútua que os personagens desenvolvem ao longo da narrativa (assim evocando o tal espírito natalino na medida do possível), não há milagre que reverta os problemas nos últimos segundos.

Pode parecer marketing negativo antecipar a ausência de um final super otimista, porém sei que há um público ávido por fugir dos clichês em volta desse tema — principalmente dos filmes toscos da Netflix —, pois eu faço parte dessa audiência. Sou cristã, contudo reconheço que a vida não é repleta de milagres, de momentos “Deus Ex Machina” — o que é bíblico, na verdade. Às vezes, faz parte dos planos de Deus a adversidade acontecer, vide o próprio episódio de Jesus na cruz.
Mas lembra que eu disse que The Holdovers também é comédia? Além do uso de câmeras análogas, da granulação visual e sonora — emulando um filme dos anos 70 —, outro aspecto técnico chamativo é a escolha de músicas marcando a trajetória auditiva. Há momentos para sinos e coral de vozes e há momentos para faixas lânguidas do estilo folk. A canção-tema é um violão sereno que acompanha a letra “chorar nunca fez bem a ninguém [...], rir às vezes faz bem a alguém de alguma forma”, refletindo a combinação harmônica de gêneros.
O aspecto cômico vem da curiosa interação entre três personagens distintos cujas vidas a princípio jamais se entrelaçariam fora do superficial — esse não é um tropo narrativo sempre divertido de se ver? —, quanto mais passar o Natal juntos constituindo uma família improvisada. Se tornar uma babá tardia do adolescente Angus, cuja rebeldia mascara um menino carente de afeto, é justamente do que o professor Paul necessita para se redimir de sua didática impiedosa e superar seu preconceito inflexível com os alunos privilegiados. Por sua vez, a cozinheira Mary (papel que rendeu à Da’Vine Joy Randolph o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) traz um contraste necessário à rigidez de Paul; sendo uma mãe enlutada, ela demonstra a empatia e o cuidado como elementos essenciais de uma boa educação, para além de atitudes acadêmicas e autoritárias. Dessa maneira, Mary costuma fazer comentários que levam Paul a reavaliar as próprias decisões.
Esse é um filme que consegue se sustentar apenas com diálogos, sem necessidade de ações e efeitos apelativos. Se me permite fazer uma promessa, você não vai terminar de assisti-lo sem desejar guardar consigo pelo menos uma das falas espirituosas; o professor Paul profere indiscutivelmente algumas das melhores, principalmente no que diz respeito aos insultos, como “penis cancer in humor form” [“câncer de pênis em forma humana”] — o preferido do ator Paul Giamatti, intérprete do papel, como revelou em entrevista.

Talvez a razão principal pela qual amei tanto The Holdovers seja o filtro da melancolia, que ilustra como eu me sinto nessa época, equilibrando tristeza e esperança na medida certa, sem pieguices. Lembrando que Natal com desafios e revezes continua sendo Natal. O importante é tirar o melhor proveito. Espero que essa resenha seja o suficiente para lhe convencer a assistir a um excelente filme, com certeza mais edificante do que Derreter de Amor (2024, Netflix).





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